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Árbitros dizem que nova lei restringe a atividade e é inconstitucional

FILOMENA LANÇA filomenalanca@negocios.pt

A Associação Portuguesa de Arbitragem escreveu ao Parlamento por causa da lei que impede os advogados que trabalham em sociedades de serem árbitros se outros colegas de escritório tiverem processos na arbitragem tributária. A norma é inconstitucional e “deve ser suprimida” , defende Dário Moura Vicente, o presidente.

Aregra do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT) que apenas permite que sejam árbitros os especialistas que “não sejam mandatários ou não integrem escritório de advogados em que um dos seus membros seja mandatário em qualquer processo arbitral tributário pendente” é inconstitucional, “por operar uma restrição desproporcional de direitos fundamentais, nomeadamente, do direito de livre escolha e exercício de profissão e, bem assim, pelo seu caráter manifestamente discriminatório”. O alerta vem da Associação Portuguesa de Arbitragem (APA), que escreveu uma carta ao Parlamento a pedir que seja “revogado o novo impedimento”.

Em causa está uma alteração ao RJAT que entrou em vigor em fevereiro deste ano e que acaba por atingir, essencialmente, os advogados que são também árbitros e que exercem a sua profissão em sociedades de advogados. Para estes, “bastará que se encontre pendente um único processo arbitral tributário em que seja mandatário ou árbitro um advogado que integre uma sociedade para que, sem mais, nenhum outro advogado dessa sociedade possa, respetivamente, exercer funções de árbitro ou o patrocínio em qualquer outro processo arbitral tributário”, sublinha a carta enviada pela APA ao Parlamento. E isto, acrescenta, “independentemente de estes processos em nada se relacionarem entre si relativamente às partes, ao objeto ou à matéria implicada.”

“Não há justificação para uma restrição desta natureza”, afirma, em declarações ao Negócios, Dário Moura Vicente, ele próprio advogado e presidente da APA. A associação, que junta cerca de 250 árbitros, “não tem sequer notícia que tenha havido alguma situação concreta que tenha justificado a alteração da Lei”,prossegue Moura Vicente. “Esta limitação deve ser suprimida porque não tem, do nosso ponto de vista, justificação face aos objetivos. Não é proibindo a arbitragem a todas as pessoas do escritório que se vai evitar os conflitos de interesses”,considera o presidente da APA, que remata: “Acreditamos que a arbitragem tem de ser regulada, mas não de forma desproporcional.”

Esta alteração ao RJAT resultou de uma iniciativa do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) que pretendia evitar conflitos de interesse e afastar possíveis dúvidas que pudessem colocar-se na nomeação dos árbitros. No Parlamento foi o PSD que acabaria por avançar com a proposta, no âmbito de um pacote de alterações em matéria fiscal, mas depois PS e Bloco juntaram-se-lhe e aprovaram a medida.

“Normas deontológicas já são vinculativas”

Dário Moura Vicente, não tem dúvidas de que as normas deontológicas que já existem são o meio adequado para precaver eventuais conflitos de interesse. “Temos um código deontológico e uma preocupação muito grande em credibilizar a atividade dos árbitros, sendo que todas as regras são vinculativas para quem adere à APA”, explica. E essas “regras de deontologia visam já prevenir conflitos de interesses, que a pessoa quando julga um litígio não esteja condicionada por relações com as partes ou com colegas de escritórios”.

Outro sinal de que há aqui uma discriminação, considera também a Associação na carta enviada ao Parlamento, tem a ver com o facto de diferenciar quem trabalha sozinho e que o faz em sociedade. “A restrição em apreço não oferece quaisquer fundamentos razoáveis para a diferenciação de tratamento por si realizada entre o advogado de prática individual e o advogado integrado em sociedade de advogados”, lê-se no documento. “A mera circunstância de um colega de escritório ser mandatário ou árbitro num outro processo arbitral tributário, que em nada se conexione com o novo processo que se pretenda assumir, não comporta nunca, só por si, qualquer conflito de interesses que permita suportar a suspeição do legislador implícita no âmbito destas alterações ao RJAT”.

Arbitragem administrativa afetada?

Na carta enviada aos deputados, a APA defende que a restrição em causa “apenas tem lugar e vigora, formal e diretamente, em sede de arbitragem tributária”, mas lembra que “já se vêm descortinando posições várias que dão por certa a aplicação deste impedimento no âmbito da arbitragem administrativa”. Como o Negócios avançou, é essa, de facto a posição de especialistas vários, que a justificam pela remissão para as regras da arbitragem tributária constantes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Dário Moura Vicente acredita que não. “Qualquer restrição aos direitos fundamentais não pode ser aplicada por analogia, portanto creio que teria de se adotar um diploma legal que expressamente o estabelecesse”, defende o jurista. “Não digo que tal não possa ter estado na mente do legislador, mas não creio que a restrição em causa se possa extrapolar para a arbitragem administrativa em geral. Seria excessivo”, remata.

“Esta limitação deve ser suprimida porque não tem justificação face aos objetivos. Não é proibindo a arbitragem a todas as pessoas do escritório que se vai evitar os conflitos de interesses. As regras de deontologia visam já prevenir conflitos de interesses, que a pessoa quando julga um litígio não esteja condicionada por relações com as partes ou com colegas de escritórios.

DÁRIO MOURA VICENTE Presidente da Associação Portuguesa de Arbitragem

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2021-10-26T07:00:00.0000000Z

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