Cofina

E se acabássemos com as lojas de souvenirs?

JOÃO CEPEDA Presidente e diretor criativo do Time Out Market Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico Coluna quinzenal à sexta-feira

Vamos acreditar que agora sim, é a valer. Agora é que o turismo acorda. Não agora-agora, que o mundo das viagens não funciona assim, mas agora- Setembro já seria bom. Se daqui a dois meses os nossos mercados emissores de turistas, incluindo o brasileiro e o americano, puderem planear viagens, então sim, podemos acreditar na recuperação. Lado negativo: dizer isto é assumir que o ano turístico de 2021 já voou definitivamente pela janela. Lado positivo: ainda temos cinco meses, pelo menos, para fazer o que não fizemos durante o último ano e meio – virar o turismo do avesso.

A boa notícia é que existem problemas simples e concretos que podem ser resolvidos já, depressa e bem. Como a indústria de souvenirs. Pergunta que se impõe: não seria bom reabrir as cidades aos turistas sem as lojas de ímanes e porcelanas Made In (vocês-sabem-onde) em cada esquina? Ora, não há qualquer razão para isso não acontecer.

Veneza, por exemplo, mesmo antes de a pandemia chegar (em Setembro de 2019), preparava-se para impor uma lei musculada contra este tipo de comércio pechincheiro. Uma lei que não permitia mais lojas nos locais de grande valor patrimonial, como a Praça de São Marcos, e que obrigava todas as existentes a seguir normas de qualidade mais apertadas, como anunciar na montra o país de origem dos seus produtos.

Longe dali, no Egipto, as autoridades foram ainda mais longe e aproveitaram esta paragem forçada da covid para acabar de vez com o mercado de reproduções de mau gosto. Pirâmides, múmias, faraós e afins, tudo pelo cano. Em Abril deste ano, com o apoio do Ministério do Turismo e depois de muito debate sobre o assunto, abria a fábrica Konouz: um projecto de 10 mil metros quadrados, com mais de 150 trabalhadores locais (pintores, restauradores, carpinteiros, designers), que se dedicam a fazer reproduções do passado egípcio, bem como peças modernas relacionadas com o património cultural do país.

Num e noutro casos, os artigos recebem um certificado oficial de autenticidade, que nos recorda muito o modelo de

Não seria bom reabrir as cidades aos turistas sem as lojas de ímanes e porcelanas Made In (vocês-sabem-onde) em cada esquina?

negócio seguido pelos clubes de futebol, há pouco mais de uma década, quando também eles viram os seus produtos banalizados nas ruas. E os resultados parecem os mesmos – há duas semanas o governo do Cairo já anunciou a criação da segunda fábrica e de várias lojas oficiais junto dos grandes museus nacionais.

Daí para os Tuk Tuks – outro problema concreto e igualmente trágico para a percepção das nossas cidades. Como a maior parte das capitais europeias escapou ao flagelo, neste caso tenho poucos exemplos de boas práticas internacionais. A própria Câmara de Lisboa é o exemplo maior, na verdade, porque há mais de cinco anos que controla e contém o fenómeno. O certo é que eles continuam a enxamear a cidade, a estacionar em cima dos passeios, a assediar os turistas e a travestir-se das versões estéticas mais escabrosas. Admitindo que até possa fazer sentido um transporte de turistas ligeiro e eléctrico, não seria então melhor lançar um concurso para que Portugal tivesse o seu próprio veículo? E com preços tabelados para que não se enganassem mais turistas?

Quanto às filas nos museus e nas grandes atracções das cidades, que afastam os locais dos lugares que são “seus”, já há apps de todo o género e feitio que gerem a quantidade de gente nas filas e que aconselham o melhor momento para nos aproximarmos (Itália volta a ser bom exemplo). Não era de copiar ou importar?

Há mil outros problemas, dirão. E há mil outras soluções, direi. O que não há é outra melhor altura para as pôr a funcionar.

OPINIÃO

pt-pt

2021-07-30T07:00:00.0000000Z

2021-07-30T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/282024740299076

Cofina