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DE insisto, de quantos camelos precisaria, para ser ambulante, a biblioteca de António Costa? Ou a de Ronaldo? e quantos camelos precisará o grão-vizir Marcelo Rebelo de Sousa? Já respondo, mas o que eu sei é que se o paraíso for o que Jorge Luis Borges imaginava que fosse, há camelos no paraíso. “Sempre imaginei que o paraíso fosse uma espécie de biblioteca”, disse o arguto Borges, para que inevitavelmente tivéssemos de o citar quando falássemos de livros. E o que eu tinha engatilhado para dizer aos generosos leitores é que, no século X, Abdul Kassem Ismael, grão-vizir da Pérsia, tinha uma biblioteca de uns duzentos mil livros ou rolos. Ora, a biblioteca de Ismael movia-se. Ismael levava-a consigo, numa longuíssima procissão de mais de quilómetro e meio de camelos. Não sabemos de quantos camelos precisaria Marcelo para deslocar a sua bamboleante biblioteca. Mas arrisco dizer, e não creio que ele me desminta, que não chegará aos estratosféricos quatrocentos camelos do grão-vizir persa. O camelo não é o único animal dado à leitura. Na Colômbia rural, nesse fundo interior que, se fosse Portugal, seria Pinhel ou a minha aldeia de Vale de Madeira, havia uma biblioteca itinerante que andava de burro. Dois burros, o Alfa e o Beto, atravessavam riachos, subiam as ácidas colinas, desciam aos húmidos vales, carregados de livros. Levavam letras e leitura, levavam esse labiríntico saber que nenhum professor se atreveria a ensinar, nessa Colômbia guerrilheira e paramilitar de perigos e medos. Alfa e Beto, os burros, não tinham medo. Não obstante, uma biblioteca é um lugar perigoso, um sítio onde se pode perder a vida, jurava o escritor Saul Bellow, acrescentando, “as pessoas deviam ser avisadas”. Já eu, como Virginia Woolf, roubei em bibliotecas. “Regalo-me no saque de bibliotecas públicas e resgato delas tesouros afundados”, dizia ela. Também eu fui pirata: pilhei, perna de pau ainda sem idade de homem, em três bibliotecas coloniais, na do liceu Salvador Correia, na da Câmara Municipal de Luanda, na Nacional de Angola, do professor Carmo Vaz.

E insisto, de quantos camelos precisaria, para ser ambulante, a biblioteca de António Costa? Ou a de Ronaldo?

Camelos ou burros? Há poucos anos, em 1985, o Serviço Nacional de Bibliotecas do Quénia recuperou os velhos camelos de Ismael. Pelos desertos do Quénia, os camelos cumpriam o desígnio de John Le Carré, que disse a quem o quis ouvir: “Sou um homem de biblioteca ou então de livros em segunda mão.” E mesmo agora, em 2015, perto de Adis Abeba, Carré teria gostado de ver livros seus nos alforges da biblioteca-burro que ia, de aldeia em aldeia, desinquietar os sonhadores miúdos etíopes.

Um barco leva menos livros do que vinte camelos. Nos fiordes, o Epos navega entre as minúsculas ilhas e leva seis mil livros a 250 comunidades, entretendo-as no Verão. Na Argentina, em Buenos Aires, um tanque de guerra vai municiado com 2.500 livros, arma de destruição em massa, que põe nas mãos de estudantes de fracos recursos.

Num frigorífico, na Nova Zelândia, num guarda-roupa, na Austrália, em paragens de autocarro, em Israel, a biblioteca mostra toda a sua heterodoxia, irreverência e adaptabilidade.

Eis o improvável conselho de Frank Zappa, genial monge do rock ‘n roll: “Se queres ir para a cama com alguém, vai para a universidade. Se queres mesmo educar-te, mete-te numa biblioteca.”

De burro ou de camelo, educa-nos uma biblioteca. E se fossem os camelos de Ismael, indo o grão-vizir à cabeça, na cauda ou ao meio da longa coluna, pedisse o livro que pedisse, recebia-o imediatamente: os seus camelos estavam treinados para andar em ordem alfabética.

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