Cofina

Os autodidatas

FILIPA LINO

Ter formação superior deixou de ser condição essencial para conseguir um emprego bem remunerado em empresas como a Google, Apple, IBM ou Microsoft. As grandes tecnológicas estão a flexibilizar as regras de contratação e abriram as portas aos autodidatas que provem ter conhecimentos para os lugares disponíveis. Se a tendência se acentuar no mercado de trabalho, as universidades terão razões para estar preocupadas.

Os amigos chamam-lhe “Nhocas”, o diminutivo de “engenhocas”. Rodrigo Reis, hoje com 29 anos, ganhou a alcunha na escola. “Logo na primária desmontava os meus brinquedos e depois levava pedaços de circuitos elétricos para a escola, para brincar e mostrar aos outros miúdos. Fingia que eram bombas”, conta entre risos. No ensino secundário, enveredou pela área de Ciências e Tecnologia na Escola Secundária Ferreira Dias, em Agualva-cacém. Nessa altura, dois professores criaram um clube de robótica. Um marco na sua vida. “Foi ali que me lancei no mundo da programação e da eletrónica.” Tinha 15 anos e percebeu que queria trilhar a vida por esse caminho. As oportunidades foram surgindo. Começou a fazer trabalhos como técnico de som e de audiovisual em eventos de fim de semana. Na altura de ir para a universidade, escolheu Engenharia Informática. Entrou na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, mas foi obrigado a interromper o curso quando a troika chegou a Portugal, diz. “Tive de arranjar trabalho, o dinheiro escasseava lá em casa” e, por outro lado, estava a ter dificuldade em conseguir fazer as cadeiras relacionadas com Matemática. Dos 12 currículos que enviou para consultoras, só uma não pôs entraves pelo facto de não ter uma licenciatura. Depois de testarem as suas competências, contrataram-no e deram-lhe formação. “Disseram que viam potencial em mim”, recorda. Essa demonstração de confiança fê-lo querer dar provas de que a aposta tinha valido a pena.

A contratação baseada nas capacidades e talento é uma tendência que está a ganhar força no mundo da tecnologia. As grandes empresas já não exigem um diploma universitário para admitir trabalhadores nos seus quadros. Agora o foco é o portefólio, ou seja, aquilo que a pessoa fez ao longo da vida. É sobretudo nas áreas de programação e design que os chamados autodidatas estão a ter mais oportunidades de trabalho – em empresas como a Google, Apple, IBM ou Microsoft.

“Esta é uma tendência que acelerou nos últimos três anos”, diz António Câmara, professor na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa e cofundador da Ydreams. As empresas chegaram à conclusão de que, “hoje em dia, muita da formação relevante é oferecida fora das universidades”. É na internet que está a circular o conhecimento. E também nos chamados “bootcamps”, cursos intensivos que duram algumas semanas, conjugando conhecimento teórico com a prática, em que os alunos recebem apoio e orientação de profissionais qualificados.

Essas formações são organizadas por várias entidades, e “muitas vezes são as próprias tecnológicas que os ministram”, explica. Mas algumas universidades já perceberam que é importante possuir esta oferta. “A Universidade de Columbia e muitas outras estão a criar ‘bootcamps’, perceberam que nem todas as pessoas querem ou precisam dos cursos tradicionais.”

ANÁLISE

pt-pt

2021-07-30T07:00:00.0000000Z

2021-07-30T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/281835761738052

Cofina