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Estilo e ambição sem recompensa

NOS BONS PRINCÍPIOS E NAS EXIBIÇÕES IDÔNEAS, O VIZELA EQUIPARA-SE AO FAMALICÃO DE HÁ DOIS ANOS. MAS O FUTEBOL NEM SEMPRE É GENEROSO COM QUEM DEFENDE OS SEUS VALORES MAIS NOBRES

O VIZELA É UMA EQUIPA QUE NOS DIVERTE

E NUNCA SE RENDE

O treinador Álvaro Pacheco (50 anos) é a principal alegoria deste Vizela. Pela boina (ideia da estrutura) que lhe esconde a careca e já é a sua imagem de marca, pela afoiteza das ideias e pelo discurso desempoeirado. Nasceu em Luanda e foi adotado pela Lixa, tendo sido um avançado de grande recurso técnicos, mas pouco competitivo. Dessa altura guarda os conselhos de Rui Quinta, um dos técnicos que mais o influenciou. Depois de vários anos como adjunto de Miguel Leal (Penafiel, Moreirense e Boavista), ganhou a carta de alforria em 2018, após experiência acidentada na Lituânia. Começou no Fafe (2018/19), antes de iniciar a ascensão vertiginosa do Vizela, encurtando assim o prazo de cinco anos que estabelecera para chegar à I Liga. “O meu maior sonho é ouvir o hino da Champions”, disse, há um mês, ao ‘Expresso’.

çO Vizela só ainda ganhou um jogo (ao Tondela) e segue na 12ª posição. Seria, por isso, provavelmente mais avisado e irrefutável esperar por uma ocasião mais favorável para exaltar as virtudes e as façanhas de um clube que é a bandeira futebolística de uma cidade do Ave com pouco mais de 20 mil habitantes. Mas, por outro lado, a derrota caseira sofrida, anteontem, perante o Benfica, é uma boa oportunidade para voltar a contrariar quem ainda não é capaz de entender que ‘resultadista’ não é um vocábulo futeboleiro inventado para definir quem se focaliza e luta sempre pela vitória, antes para deslustrar os que subjugam tudo ao mero desfecho de um jogo. E não haverá muitos exemplos melhores do que o Vizela para comprovar que se pode oferecer estilo, ambição e bons jogos mesmo quando não se ganha ou até se perde, como foi o caso frente ao Benfica.

Há dois anos, por esta altura,

não faltava quem fizesse justiça ao Famalicão, um recém primodivisionário que surpreendeu pela qualidade de jogo e bons resultados, que quase lhe valiam a Europa. Ora, este Vizela equipara-se-lhe nos bons princípios e

nas exibições. E o facto de os resultados não serem tão positivos deve-se, em boa parte, ao futebol nem sempre ser generoso com quem defende os seus valores mais nobres. E, claro, também à circunstância de a matéria-prima ao dispor de Álvaro Pacheco perder na comparação com o lote de jogadores treinados então por João Pedro Sousa.

Claro que há o guarda-redes Charles,

que já conhecíamos do Marítimo, e Ivanildo, central que o Sporting nunca aproveitou. Mas as principais figuras são nomes como Samu (médio canhoto de 25 anos, formado no FC Porto e Boavista) e o extremo Nuno Moreira (22 anos), descoberto na equipa B do Sporting. Ultimamente, deu nas vistas o norte-americano (de ascendência mexicana) Alex Mendes, um médio/ala canhoto de 21 anos que chegou do Ajax. Mas a falta de es- trelas não impediu a aposta num futebol positivo.

O Vizela é uma equipa que nos diverte e nunca se rende.

Mostra atributos que denotam qualidade de treino e respeito por quem gosta mais do jogo do que dos resultados. Não é uma equipa perfeita, longe disso – fica, por exem- plo, muitas vezes desequilibrada, por força de se expor em demasia. Mas, ao contrário de outros clubes até de maior dimensão, tem a coragem de nunca abdicar dos princípios e do 4x3x3. Claro que aqui e ali pode pagar caro o facto de nunca negociar os resul- tados, como se viu na forma como sofreu o golo de Rafa nos últimos segundos.

É uma equipa estilista e com riqueza ofensiva,

apesar de formada por muitos jogadores vindos dos escalões inferiores. Teve um jogo menos conseguido em Guimarães (0-4, mas com dois go- los anulados milimetricamente), mas, no cômputo geral, tem feito por justificar bem mais do que os 8 pontos que soma, sendo uma das equipas mais rematadoras da prova. Na generalidade dos jogos, conseguiu quase sempre divertir-nos e oferecer uma grandeza que não teve a justa recompensa. O Gil Vicente-Vizela (2-2) foi, por exemplo, um dos melhores duelos da liga, jogo em que os vizelenses tiveram outro golo anulado... por 1 centímetro!

A exemplo do que acontece no já referido Famalicão,

o Vizela prova que a aposta numa SAD e no investimento estrangeiro não tem de ser, necessariamente, contraproducente. Nascido no Canadá e com ascendência chinesa, Edmund Chu é o acionista principal desde 2017, ele que mantém interesses no automobilismo (Fórmula E) e que fundou a empresa Kosmos (juntamente com Gerard Piqué), que detém os direitos da Taça Davis (ténis). Chu segue os jogos pela internet e entregou a gestão da SAD ao presidente Diogo Godinho e a Gonçalo Moreira (filho do presidente da Câmara do Porto). Para regressar, 36 anos depois, à I Liga, o Vizela somou subidas consecutivas desde o Campeonato de Portugal. O orçamento ronda os 4 milhões de euros e a prioridade tem sido o reforço da estrutura profissional e a melhoria do Complexo Desportivo. Os fervorosos adeptos, que estavam em maioria frente ao Benfica, estimam a equipa e não se arrependem da aposta.

OPINIÃO

pt-pt

2021-10-26T07:00:00.0000000Z

2021-10-26T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/281694027988246

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