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A ilusão da pureza originária

Eduardo Dâmaso Diretor da revista Sábado

Muitos acreditam ainda que tudo voltará a uma certa normalidade no Benfica se a equipa entrar a ganhar na Champions e no campeonato. Acreditam que a magia do futebol jogado – caso aconteça – dissipará as amarguras de ver um ex-presidente em prisão domiciliária, incapaz de obter a liberdade plena com as ações do próprio clube, de ter uma estrutura de gestão profissional sob suspeita, o mis sólido de toda essa equipa, Domingos Soares Oliveira, também constituído arguido e na mira da justiça. Ou, noutra perspetiva, de ver o valor do clube discutido na novela protagonizada por John Textor, como se estivesse mais ou menos ao preço da uva mijona. De perceber que Luís Filipe Vieira se preparava para alienar 25 por cento da SAD nas costas de todo o universo de adeptos e dirigentes, numa negociata de vão de escada à revelia de reguladores, do exercício de direitos de preferência e dos sócios e adeptos.

A ideia de que há uma espécie de pureza originária

que se reconquista a cada vitória dentro do campo, que o tempo mau fica suspenso e a vida segue como era normalmente, é uma ilusão perigosa. Quando um clube com a dimensão do Benfica se transforma num templo do Deus dinheiro e da respetiva liturgia de comissões não há espaço para ilusões ou inocências pueris. Por estes dias de Cartão Vermelho, mera metáfora para uma vastíssima investigação que já leva mais de 50 processos, a reputação de

OS ILUDIDOS NO BENFICA É MELHOR DESENGANAREM-SE. NÃO SERÁ A VITÓRIA NA ELIMINATÓRIA DA CHAMPIONS A TRAZER A PACIFICAÇÃO MAS SIM UMA PROFUNDA MUDANÇA DE ATORES E MÉTODOS

todo o futebol português oscila perigosamente. Não é apenas o Benfica. É toda a indústria do futebol que necessita, como tem vindo a acontecer em França e noutras paragens, de uma revisão total. Mas, no Benfica, optar pela mera cosmética será a pior maneira de reagir perante uma crise com estas proporções. Outros seguiram esse caminho, no tempo do Apito Dourado, investigação que conseguiram matar à nascença no que ela compor- tava de extensões para a I Liga com manifestas cumplicidades políticas e nos tribunais. Se é certo que ganharam mais uns anos de impunidade, não o será menos o brutal aprofundamento do pântano que se se- guiu, com a reprodução de me- tásteses por todo o corpo do futebol. Os iludidos no Benfica, portanto, é melhor desenganarem-se. Não será a vitória na eliminatória da Champions a trazer a pacificação mas sim uma profunda mudança de atores e métodos. Também não será a justiça, só por si, a reformar o futebol. Sobretudo enquanto um governo sonâmbulo e um sistema político dependentes dos velhos poderes fáticos de alguns clubes permanecerem paralisados e sem voz na matéria.

OPINIÃO

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2021-07-30T07:00:00.0000000Z

2021-07-30T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/282132114482268

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