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J. BORGES DE ASSUNÇÃO

Coluna mensal à sexta-feira JOÃO BORGES DE ASSUNÇÃO Professor Católica Lisbon School of Business & Economics Universidade Católica Portuguesa

Seria mais prudente o BCE ter feito pausa na subida dos juros

OBanco Central Europeu (BCE) decidiu, no dia 16 de março, subir as suas três taxas de juro de referência em 0,5 pontos percentuais; a de depósito para 3,0% e a facilidade permanente de cedência de liquidez para 3,75%.

Num movimento semelhante a Reserva Federal (Fed) decidiu, no dia 22, subir o intervalo para a chamada Fed Funds Rate em 0,25 pontos percentuais para o intervalo entre 4,75% e 5%.

As autoridades monetárias das principais regiões económicas do mundo estão colocadas perante dilemas difíceis.

Por um lado, as taxas de inflação continuam muito elevadas. Por exemplo na zona euro a inflação homóloga anual de fevereiro está em 8,5%. E apesar de efeitos bases favoráveis nos próximos meses parece difícil que desça de forma suficiente ao longo deste ano.

Nos Estados Unidos a situação é semelhante embora a taxa de inflação seja menor, 6% em fevereiro, e a Fed tenha sido mais rápida que o BCE a iniciar o processo de normalização da política monetária.

Do lado positivo as expectativas de inflação de médio prazo dos participantes nos mercados financeiros e das famílias e empresas é relativamente benigna estando ancorada em valores bem menores que a inflação esperada para este ano.

Olhando apenas para a inflação, portanto, ainda seriam necessárias mais subidas das taxas de juro dos dois lados do Atlântico.

Acontece, porém, que nos últimos quinze dias houve sinais evidentes de instabilidade no sistema financeiro americano e europeu.

Nos Estados Unidos três bancos foram resolvidos com destaque para um, o Silicon Valley Bank, (SVB) que tinha ativos líquidos muito significativos. Na Europa, os reguladores helvéticos forçaram uma fusão do Credit Suisse com a UBS para conter a fuga dos seus depositantes.

No caso do SVB é claro que uma parte significativa da desvalorização dos ativos de longo prazo do banco, incluindo obrigações do tesouro ou obrigações hipotecárias garantidas, resulta da velocidade com que a Fed subiu as suas taxas de juro ao longo do último ano.

Os detalhes são mais escassos no caso do Credit Suisse mas também o valor do ativo desse banco se deverá ter ressentido da velocidade da subida dos juros nos EUA e na zona euro.

Podemos olhar para os casos mais mediáticos como idiossincráticos e nesse sentido vítimas de erros de gestão próprios. Mas muitos dos riscos que se tornaram visíveis nesses dois casos estão presentes na generalidade dos bancos. O que significa, entre outras coisas, que em geral o sistema financeiro terá mais dificuldade em financiar-se ou que o fará a taxas mais elevadas. Uma consequência direta da perceção de maior risco a que o sistema financeiro como um todo está sujeito.

Os bancos centrais têm a responsabilidade de assegurar que a moeda que supervisionam desempenha as suas funções. Uma inflação elevada é um sinal de desvalorização da moeda, e é por isso tão importante que os bancos centrais combatam a inflação. Mas a instabilidade no sistema financeiro é também um sintoma de que a moeda não está a funcionar bem.

Acresce que, pelo grau de interdependência do sistema financeiro internacional, quer a instabilidade quer a inflação oriunda de uma região económica pode contaminar a outra. No fundo a Fed e o BCE são os garantes quer de uma inflação baixa em dólares ou euros, quer da estabilidade do sistema financeiro internacional.

Nesse sentido eu teria compreendido melhor se o BCE e a Fed tivessem reconhecido os riscos para o sistema financeiro da velocidade da subida das taxas de juro e tivessem feito uma pausa nas subidas da taxa de juro. Não porque a inflação já esteja controlada. Longe disso. Mas porque se poderia parar para ver a dimensão dos estragos nas instituições financeiras.

Caso os problemas, como se deseja, tiverem sido ultrapassados então o combate à inflação deverá continuar. Mas se os problemas estiverem ainda presentes no sistema a continuação da subida das taxas de juro pode agravá-los desnecessariamente.

No fundo, nem a Fed nem o BCE sabem qual a velocidade adequada para a normalização da política monetária e a subida das taxas de juro. A ocorrência de falências na banca sugere que a velocidade pode estar a ser demasiado elevada.

Uma pausa na subida da taxa de juro para ver a poeira assentar teria sido, talvez, a decisão mais prudente no caso do BCE e da Fed. Um atraso de dois ou três meses no regresso à inflação de 2% não me parece grave numa altura em que esse cenário só se vislumbra daqui a dois anos. Se a falência de bancos não justifica uma pausa, o que a justificará?

Uma pausa na subida da taxa de juro para ver a poeira assentar teria sido, talvez, a decisão mais prudente no caso do BCE e da Fed.

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2023-03-24T07:00:00.0000000Z

2023-03-24T07:00:00.0000000Z

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