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Injeção recorde no fundo das pensões dificulta compra de dívida pública

FEFSS é obrigado a ter metade da carteira em obrigações do país. Bom desempenho das contribuições está a complicar gestão, diz o presidente.

CATARINA ALMEIDA PEREIRA catarinapereira@negocios.pt MARIA CAETANO mariacaetano@negocios.pt

OFundo de Estabilização Financeira da Segurança Social (FEFSS), uma reserva criada para pagar pensões quando as contribuições não chegarem, recebeu em pouco mais de um ano mais de cinco mil milhões de euros, uma injeção recorde após um período de forte desvalorização de ativos. Só que em janeiro e fevereiro o fundo não estava a cumprir o limite mínimo legal de 50% em dívida pública portuguesa. Ao Negócios, o presidente do instituto que gere esta carteira diz que é difícil cumprir consistentemente a regra legal sem prejudicar a almofada das pensões. Sobretudo porque o mercado é pequeno.

“Estamos desviados por causa de uma entrada superior à expectável no FEFSS”, justifica José Vidrago, presidente do Instituto de Gestão de Fundos de Capitalização da Segurança Social (IGFSS). “Não é apesar da injeção. É por causa da injeção, já agora”.

O FEFSS alimenta-se dos saldos do sistema previdencial e de impostos a este consignados. Nos termos da lei, as transferências têm de ser feitas, embora nem sempre isso aconteça. Na pandemia, por exemplo, foram adiadas.

Em 2022, o fundo recebeu mais de três mil milhões de euros, essencialmente em duas parcelas. Em janeiro, voltou a receber 2.080 milhões. Isto ajuda a explicar o facto de o fundo ter chegado ao final de janeiro com 25,6 mil milhões de euros numa altura em que os seus ativos desvalorizavam 9,58% em termos homólogos.

Mas a concentração de transferências não facilita a gestão. “Quando em janeiro nos é comunicada uma entrada de 2.080 milhões de euros – felizmente, porque o saldo da Segurança Social o permite fazer – isso é uma informação importantíssima mas que se traduz na necessidade de fazermos mais compras”, explica José Vidrago.

Só entre janeiro e março, em termos líquidos, o FEFSS adquiriu mais de 1,7 mil milhões de euros em obrigações do Tesouro. Um valor que, de acordo com o responsável, não é fácil de encontrar rapidamente e nas melhores condições, dada a dimensão do mercado.

“Numa carteira de 26 mil milhões de euros, 13 mil milhões é um número muito significativo. O mercado – na sua dimensão e liquidez – não é definido pelo stock de dívida pública existente”, mas antes pelo que os investidores querem transacionar, “que é muito menos”.

Por outro lado, prossegue, “não é do interesse do FEFSS andar a fazer compras demasiado concentradas de dívida pública portuguesa. Sobretudo, porque estamos a falar de mercado secundário. Dada a representatividade do FEFSS no mercado, compras muito volumosas fariam com que os preços a que nós conseguimos comprar subissem e o FEFSS perdesse por causa disso. Estaríamos a pressionar os preços em alta e a obter preços piores. A nossa política passa por dispersar as compras”.

O regulamento do FEFSS exige um “mínimo de 50% em títulos representativos de dívida pública portuguesa ou outros garantidos pelo Estado Português” mas os relatórios relativos a janeiro e a fevereiro, consultados pelo Negócios, mostram que o valor que conta esteve em 43,91% e 45,99%, respetivamente, sendo “inferior ao mínimo definido no regulamento”.

José Vidrago desvaloriza oscilações dentro do ano. “Garantimos sempre que pelo menos no fecho de contas estamos acima dos 50%. O que não fazemos é o FEFSS perder dinheiro para forçar a aplicação desse mínimo”.

O próprio limite mínimo está em discussão há vários anos. Já em 2020, num período de taxas de juro ainda negativas, o secretário de Estado da Segurança Social, Gabriel Bastos, admitia ao Público que a gestão do FEFFS teria de ser “equacionada” uma vez que “o retorno com a dívida pública” era então “baixo ou nulo”.

No final de 2021 o ex-presidente do IGFCSS, Manuel Baganha, defendia ao Negócios o fim deste limite mínimo, posição que mantém. “Por uma razão simples: o FEFSS tem uma dimensão que isso significa que teríamos de ter cerca de 12 mil milhões em dívida pública portuguesa. O problema é conseguir gerir as compras e as vendas em mercado secundário de dívida pública portuguesa”, diz ao Negócios, explicando que po

deriam ser reforçadas as compras em obrigações de outros países.

Questionados pelo Negócios sobre alguma decisão nesse sentido, os ministérios da Segurança Social (MTSSS) e das Finanças (MF) não deram qualquer resposta.

Os títulos de dívida pública comprados pelo FEFSS não contam para o rácio de endividamento das regras orçamentais europeias. “Não são incluídos no valor da dívi

Garantimos sempre que pelo menos no fecho de contas estamos acima dos 50%. O que não fazemos é o FEFSS perder dinheiro para forçar a aplicação desse mínimo.

JOSÉ VIDRAGO Presidente do Instituto de Gestão de Fundos (IGFCSS)

da pública na ótica de Maastricht”, confirma fonte oficial do Banco de Portugal.

Quase tudo no vermelho

Em setembro o fundo estava avaliado em 21.742,3 milhões de euros, menos 11,84% do que no período homólogo. Em dezembro, perdia 13%. Já em fevereiro, de acordo com os novos relatórios consultados pelo Negócios, a desvalorização seguia em 9,24% face a um ano antes. Contudo, em grande parte devido às transferências, o FEFSS valia já 25,3 mil milhões de euros, cobrindo 19 meses de pensões.

O relatório mostra que praticamente todas as componentes da carteira estão no vermelho, incluindo as que têm maior peso: obrigações do tesouro (-12%), títulos da dívida não nacional (-15%), ações (-3%). É nesta última componente que se inclui a participação de 2,8 milhões de euros no Credit Suisse, que representa 0,01% do fundo.

Contudo, 80% do FEFSS é dívida pública, a que regista as maiores perdas. Significa isto que o fundo que dentro de uma década pode ser chamado a assegurar pensões está efetivamente a perder dinheiro? “Com a subida das taxas de juro, houve essa perda de valor de mercado da dívida pública” o que implica perdas se os títulos forem vendidos antes da maturidade. “Naturalmente não precisamos de vender amanhã. O FEFSS é um investidor de longo prazo e a nossa expectativa é de mantermos esse investimento em dívida pública até à respetiva maturidade”.

Em março, o valor do FEFSS está avaliado em 25,7 mil milhões de euros a preços de mercado, mas de acordo com o responsável seriam 28,5 mil milhões se assumíssemos que os títulos são mantidos até à maturidade. “Avaliar a valor nominal disfarça a volatilidade da carteira, como se viu de resto com a banca. O Silicon Valley Bank [que faliu] é o exemplo paradigmático”.

E se quando o FEFFS for necessário a situação dos mercados for idêntica? À medida que nos formos aproximando desse momento a opção será por “maturidades mais curtas que nos permitam, sem perder demasiado ou sem perder de todo, acompanhar as necessidades de capital que forem surgindo”.

Apesar das forte desvalorização homóloga, o gestor do FEFFS aponta para uma melhoria. “Uma parte do crescimento são as entradas. Outra é valorização. Este ano, o FEFSS está-se a valorizar cerca de 670 milhões de euros. Tem cerca de 2,4% em rentabilidade” no arranque de 2023.

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2023-03-24T07:00:00.0000000Z

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