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PEDRO S. CARVALHO

PEDRO SOUSA CARVALHO Coluna semanal à sexta-feira

Entre as micro e as grandes empresas existe um deserto

Ese os patrões das grandes empresas portuguesas deixassem os seus BMW, Teslas e Mercedes topo de gama e saíssem à rua a protestar contra a diabolização dos lucros e contra o preconceito em relação às grandes empresas? “Temos de ir para a rua” foi a mensagem (irónica, suponho) que Filipe de Botton deixou esta semana numa conferência da Associação Business Roundtable que junta empresários que representam metade do PIB português.

Nesta conferência foi apresentado um trabalho de investigação da Nova IMS sobre o papel que as grandes empresas têm na economia: a conclusão resume-se num parágrafo: 1% das empresas portuguesas são responsáveis por 57% do VAB, por 62% das exportações, por 48% dos gastos com pessoal, por 64% das contribuições para a Segurança Social e por 71% dos impostos.

A ilação a tirar parece óbvia. Precisamos de empresas maiores. Mas, afinal, quantas grandes empresas é que há em Portugal? Vamos deixar de lado o estudo e olhar para os dados do Eurostat que permitem comparar com a Europa. Em 2020 tínhamos 958 grandes empresas (aquelas que empregam 250 ou mais trabalhadores), ou seja, apenas 0,105% do total das empresas existentes em Portugal. Na Europa a 28, apenas a Grécia e a Itália tinham uma percentagem menor.

Olhando para o outro extremo, para as microempresas (aquelas que empregam 0 a 9 pessoas), Portugal já aparece no topo. Somos o quinto na Europa com mais microempresas: das 916.292 empresas existentes, 872.087 são micro.

No meio, entre as micro e as grandes, também existe um grande deserto, aquilo que alguns economistas chamam de “vale da morte”, um território inóspito em que microempresas não conseguem escalar para serem pequenas, as pequenas não conseguem transformar-se em médias e as médias não dão o salto para serem grandes.

Há uns anos, a Deloitte e a COTEC fizeram um estudo semelhante, e davam conta de um espaço vazio (“missing middle”) de empresas no primeiro estágio de dimensão de grande empresa, ou seja, a inexistência quase total de mid-caps em Portugal (empresas com 250 a 500 trabalhadores). Eram apenas 0,03% do total, mas representavam 4,68% da faturação global.

Aqui chegados, o que fazer para ajudar as empresas a atravessar este “vale da morte”? 1) Nada é mais certo neste mundo do que a morte e os impostos. Como tal, deveria haver maior progressividade fiscal: apenas a matéria coletável abaixo dos 50 mil euros é tributada a 17%. As empresas que estão a atravessar o “vale da morte” pagam os mesmos 21% de IRC do que as grandes. Apenas a derrama estadual introduz alguma progressividade. 2) Por falar em morte, há empresas que já morreram, mas continuam em atividade e a arrastarem-se: é o que os economistas chamam de empresas “zombies”. Nem a banca nem o Estado deveriam gastar recursos a financiar e a subsidiá-las.

3) Libertávamos dinheiro para ressuscitar e dar escala às mid-caps saudáveis. No tal estudo, a COTEC identificava 18 tipologias de projetos abrangidos por incentivos a PME, e apenas nove eram de âmbito potencial para a candidatura das mid-caps. 4) Por fim, uma ideia deixada esta semana na conferência por António Rios Amorim: que o Banco de Fomento, que tarda em fazer prova de vida, financie operações de fusões e aquisições para que as empresas ganhem escala e consigam atravessar o tal “vale da morte”. Não fazer isto é condenar a economia a uma morte lenta.

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2023-03-24T07:00:00.0000000Z

2023-03-24T07:00:00.0000000Z

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