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A minha masterclass com os Coldplay

JOANA GAROUPA

Em poucas horas, os Coldplay venderam 208 mil bilhetes para quatro concertos a realizar em maio de 2023, em Portugal, deixando de fora outros tantos milhares de pessoas que ficaram em filas de espera - reais ou virtuais - incluindo compradores legítimos, revendedores e bots. Mas não foi só em Portugal. Foram colocados à venda bilhetes para outros concertos da digressão - para Amesterdão, Manchester ou Barcelona - e também aqui foram anunciadas datas extras com filas de espera enormes para comprar ingressos, com meio milhão de pessoas a desesperar em frente ao computador.

Há que reconhecer que os Coldplay são, provavelmente, a maior banda deste século. Venderam milhões de discos, têm vários singles de sucesso, continuam a passar na rádio e estão presentes no streaming. A somar, tivemos um hiato de dois anos em que os grandes acontecimentos estiveram proibidos. Mesmo assim, não estava a perceber todo este movimento e loucura.

Quando surgiu a oportunidade de ir ver um concerto de Coldplay no Rio de Janeiro, Brasil (Rock in Rio), aceitei de imediato. Queria muito perceber o que é que está por detrás de tanta excitação e entender o comportamento inusitado que esta banda provoca.

No dia do concerto, o recinto estava lotado com cerca de 100.000 pessoas e mesmo chovendo copiosamente (fazia lembrar um duche de chuveiro em casa) ninguém arredou pé. A experiência não podia ser mais intensa! Quando o concerto finalmente começou foi toda uma euforia impossível de ignorar e senti-me transportada, do início ao fim, para uma “conversa” onde o Eu passou a Nós. Eu explico em três passos:

Pulseiras – ao entrar no recinto é distribuída por todos (mesmo todos!*) uma pulseira de led, feita de plástico sustentável de origem vegetal, dotada de IA, que se ilumina durante o espetáculo. De forma simples, todos os indivíduos que estão a assistir ao concerto passam a fazer parte de um grupo – de uma comunidade. Todos temos um papel a desempenhar. Quando começa a música percebemos o que temos de fazer – somos mesmo parte integrante do show. Quem manda na cor e na hora em que acendem é o vocalista Chris Martin. Com a música “Yellow”, por exemplo, as pulseiras do público ficaram amarelas, para combinar com a canção. Ou seja, conforme a música, cada área do recinto tinha a sua cor, seja pelo embalar da música ou para “desenhar” alguma imagem (ex.: coração) e se alguém falhasse a levantar o braço e a mostrar a pulseira, a coisa não teria funcionado. Nós precisamos da música, os Coldplay precisam de nós para ilustrar a melodia. Todos iguais, todos necessários, todos a sentir-se parte de uma imensa conexão.

Chuva – conforme mencionei, choveu “cats and dogs” durante o concerto. Embora tapada com uma capa de chuva, da cabeça aos pés, não havia área do meu corpo que não estivesse ensopada e em alguns momentos chegava a ser difícil ter os olhos abertos com a força da água. Eu estava assim, 99.999 dos outros membros do público idem, e os Coldplay também. Porquê? Porque a banda, em vez de se proteger no palco tapado, decidiu sofrer as dores dos seus fãs. Literalmente! Tiraram o piano da zona central e trouxeram para a frente de palco, junto do público, debaixo de uma das maiores chuvadas de sempre. E cantou como nunca, ao ar livre, com vento na cara, apanhando tanta chuva quanto o seu público. Mostrou que um líder não deixa ninguém para trás, é parte da equação e está no campo de batalha com os seus soldados.

Cantar em português – no meio de toda esta emoção, a cereja no topo do bolo foi quando a banda surpreendeu a plateia cantando uma versão inédita da música “Magic” em português - “Chama de magia, de verdadeiro. Eu chamo de magia, quando estou contigo.” Levou o público à loucura como devem imaginar. O que senti? Que se esforçou como ninguém para falar a minha língua, para me entender, para comunicar.

Resumindo, confirmo que um concerto dos Coldplay é mesmo uma experiência do outro mundo, sustentada numa atuação de liderança e empatia nunca antes vista. Sei que tudo é ensaiado, estrategicamente bem articulado e pensado, por isso, trouxe comigo as lições de gestão mais bem aplicadas de sempre.

*Distribuíram mochilas a pessoas com deficiência auditiva para usufruírem da música à sua maneira.

Confirmo que um concerto dos Coldplay é mesmo uma experiência do outro mundo, sustentada numa atuação de liderança e empatia nunca antes vista.

Coluna quinzenal à sexta-feira

OPINIÃO

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2022-09-30T07:00:00.0000000Z

2022-09-30T07:00:00.0000000Z

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