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Farinha com dois séculos

Carlos Valente da Silva Resende, já com 93 anos, raramente tinha vontade de sair de casa ou mesmo da cama. O pequeno-almoço era tomado sem se levantar e só ao almoço acedia em desentorpecer as pernas. Mas quando a neta, Helena Resende, decidiu reabrir a moagem, que estava na família pelo menos desde 1810, passou a levantar-se. Queria saber o que se andava a fazer na moagem e, salienta a neta, “ajudar e passar os ensinamentos necessários para iniciar a caminhada”. Referindo-se à família, Helena Resende garante que a reabertura da moagem em Vale de Ílhavo, um pequeno lugar do município com o mesmo nome, acabou por ser muito marcante para todos, “principalmente para o avô, pois veio dar-lhe vida, ânimo e vontade de continuar a viver”.

A Moagem Carlos Valente continua hoje a moer a farinha tradicional. Antes, a água propulsionava as mós, hoje são os motores elétricos que as fazem mover. A empresária conta que, apesar de tudo, o avô morreu 15 dias antes da abertura do negócio, mas o mais importante para ela foi Carlos Valente ter sabido que a família daria seguimento à moagem.

Helena Valente nasceu em Ílhavo e cresceu em Vale de Ílhavo com toda a família, entre mãe e irmãs, avós, tios e primas. Saiu para estudar Gestão Hoteleira na Guarda, onde conheceu Mário Nunes, um colega de curso que se tornou seu marido. Juntos ainda exploraram uma concessão balnear em Alvoco das Várzeas, em Oliveira do Hospital, mas a continuação do negócio da família de Helena acabou por os fazer regressar à terra. Passou a ser a quinta geração da família à frente da moagem e a moer farinha de forma artesanal, em mó de pedra em Vale de Ílhavo.

Helena Valente ia desde criança para a empresa familiar ajudar, no entanto, salienta que todo o processo, passo a passo, só conheceu a fundo quando decidiu avançar com o negócio. O avô ainda conseguiu ensinar como se punham as máquinas e as engrenagens a funcionar. Atualmente, a Moagem Carlos Valente faz a seleção dos cereais que mói de forma artesanal, em mós de pedra de forma lenta e sem aquecimento, o que para a empresária significa “salvaguardar o seu teor nutricional e sabor característico, ótima para obter o paladar e a textura do pão dos avós”. Do portefólio constam vários tipos de farinhas: trigo tipo 80,110 e 150, com salicórnia, com tok de mar (algas), barbela, sarraceno, centeio de vários tipos, milho branco, carolo de milho branco, milho amarelo, cevada, aveia peneirada e integral e ainda outros complementos para pão, bolos, iogurtes etc.

A tradição mantém-se, mas hoje nunca aconteceria o que se passou há muitos anos. Helena conta que “antigamente a distribuição da farinha era feita de porta em porta com a ajuda de uma égua”. Num dia em que desceu a rua Direita de Ílhavo, recusou-se a andar. Helena Valente recorda que “começou a andar tão depressa que acabou por entrar de rompante na ‘Drogaria dos Vizinhos’, uma loja que ainda hoje existe”.

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2022-09-30T07:00:00.0000000Z

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