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Titãs populistas disputam o voto em país preocupado com economia

BÁRBARA LEITE EM SÃO PAULO

Inimigos de estimação no Brasil enfrentam-se neste domingo, 2 de outubro. O mercado financeiro está calmo, sem favorito, mas identifica os desafios económicos para 2023. A possibilidade de o ex-presidente Lula da Silva ganhar a Jair Bolsonaro na primeira volta não é impossível com a caça ao “voto útil”.

Pouco mais de 156 milhões de brasileiros vão às urnas neste domingo, 2 de outubro, para uma eleição presidencial que, como em 2018, se caracterizou por uma profunda polarização. As eleições de 2022 refletem um Brasil dividido entre dois candidatos conhecidos, o atual Presidente, Jair Bolsonaro, e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em nenhum momento na memória recente um país do tamanho e influência do Brasil (é a maior economia da América Latina) viu um confronto entre dois populistas carismáticos a representar lados opostos do espetro político ao mesmo tempo. Lula, a esquerda populista; Bolsonaro, a direita.

Mas diferente de 2018, quando o ex-presidente ficou inelegível e impedido de concorrer, a luta contra a corrupção e questões ligadas à segurança e educação deixaram de ser uma prioridade dos eleitores, agora mais preocupados com a inflação, o desemprego e a saúde.

Essa mudança na lista das preocupações dos eleitores tende a favorecer o ex-presidente Lula. Não à toa, Bolsonaro tem adotado uma série de medidas para tentar minimizar as dificuldades da população, como baixar impostos e elevar benefícios sociais. As medidas já levaram a uma redução dos preços dos combustíveis, energia e telecomunicações. No campo dos benefícios, o governo Bolsonaro aumentou o Auxílio Brasil, o substituto do Bolsa Família, programa de transferência de rendimento para a classe mais baixa, ampliou o vale-gás, deu um auxílio financeiro para camionistas particulares e um benefício para taxistas e motoristas de Uber. A história tem mostrado que a grande maioria das pessoas está preocupada em conseguir uma fonte de rendimento, pagar as contas e tentar ser feliz. E nenhum discurso ideológico resiste a uma situação económica má.

Na Argentina, Cristina Kirchner caiu com a desvalorização forte de sua moeda, o peso. A crise do euro derrubou quase todos os governantes europeus do poder. A recessão brasileira ajudou a eleger Bolsonaro. Onde sobra crise, falta voto.

O que dizem as sondagens?

Dados de sondagens mostram que a economia baliza esta eleição e que Lula lidera a corrida presidencial. Na verdade, a economia brasileira recuperou nos últimos meses – a expectativa é que cresça 3% em 2022, praticamente o mesmo que a China, e a inflação esfriou, deixando a casa dos dois dígitos (a prévia da inflação oficial mostra taxa em 7,96%) –, mas a alta de preços dos combustíveis e alimentos neste ano até junho atingiu em cheio o orçamento das famílias, inclusive a classe média, e isso impossibilitou Bolsonaro de recuperar nas sondagens. O estrago estava feito. Nem o pacote de bondades recente conseguiu atrair o eleitorado mais pobre para o atual Presidente, segundo as sondagens.

Nos institutos tradicionais, Datafolha, Ipespe, Ipec (ex-ibope) e Quaest, o ex-presidente bate Bolsonaro nas intenções de voto na primeira e na segunda volta. No Datafolha, de 22 de setembro, por exemplo, Lula aparece com 47%, com hipóteses de vencer na primeira volta, flirtando com o número mágico de 50% mais um dos votos válidos; Bolsonaro tem 33%. Na segunda volta, Lula venceria Bolsonaro por 54% a 38%. Nos últimos dias, as pesquisas têm captado uma tendência de voto útil a favor de Lula. O movimento ocorre num momento no qual os apoiantes do ex-presidente têm tentado converter os votos de potenciais eleitores de outros candidatos, mas principalmente de Ciro Gomes (PDT). Bolsonaro, por sua vez, tem esbarrado nos elevados índices de rejeição na tentativa de encurtar a desvantagem para Lula. A sua rejeição está acima de 40%. Central para se entender o comportamento dos eleitores, 44% dos respondentes à última sondagem da Quaest dizem que a economia é o principal problema do país hoje e 59% declaram que a situação económica influencia “muito” seu voto para Presidente.

O ex-presidente Lula atrai um apoio comparativamente mais forte entre os de baixo rendimento (até dois salários mínimos), baixa escolaridade, jovens e eleitores do sexo feminino (grupo em que o Presidente Bolsonaro tradicionalmente se saiu mal). Regionalmente, o apoio do ex-presidente Lula é voltado para o Nordeste mais pobre do país, que abriga 27% de eleitores elegíveis.

Descrença nas sondagens

Juntamente com Bolsonaro e o seu eleitorado aumentou a des

crença nas sondagens eleitorais. Bolsonaro tem dito na campanha que é ele que ganha a eleição na primeira volta. Ele cita o “Datapovo”, já que tem reunido multidões pelo país nas ruas e nas chamadas “motociatas”, passeios de mota com apoiantes vestidos com a camisola da seleção brasileira, verde e amarela, em oposição ao vermelho dos petistas.

A favor da crítica de Bolsonaro está o facto de o último censo demográfico do Brasil ter sido realizado em 2010 e 12 anos é muito tempo e muita coisa mudou em termos demográficos, incluindo níveis de renda, religião, idade e muito mais, o que pode estar a deturpar as pesquisas. Mas se elas estiverem certas, Bolsonaro pode tornar-se o primeiro Presidente a não se reeleger em 25 anos.

Ao longo da pandemia, o chefe do Executivo declarou diversas vezes não se ter vacinado. Passou a repetir com frequência a frase: “Sou imorrível, imbrochável e incomível”, frase que afasta o eleitorado feminino. Em entrevista recente admitiu ter-se arrependido de afirmações contra as mulheres e declarações zombando de quem morreu ou sofreu com a pandemia de covid-19. “Dei uma aloprada. Aloprei. Perdi a linha. Aí eu me arrependo”, afirmou. Além de questionar sondagens, Bolsonaro também adotou uma atitude combativa contra o TSE (Tribunal Superior Eleitoral). Ele questiona a segurança das urnas eletrónicas, o que fez crescer os receios de um ataque à democracia. Contra Lula, o histórico de acusação de corrup

ção. O ex-dirigente sindical foi Presidente de 2003 a 2011, quando um “boom” de “commodities” lhe permitiu expandir o apoio aos pobres, ao mesmo tempo em que desfrutou de um dos períodos mais importantes de crescimento económico da História do Brasil. Os seus críticos, no entanto, acusaram o Partido dos Trabalhadores de incompetência. Depois de ter deixou o cargo, a sua sucessora Dilma Rousseff foi cassada em meio a protestos maciços por corrupção, e o próprio Lula foi condenado por corrupção, mas os processos foram anulados por conta de interferência.

O que esperar de Bolsonaro...

Visto como autêntico pelos eleitores e dando ênfase em valores conservadores como ser contra o abor

to, a liberação de drogas e a “ideologia de género”, que agrada aos evangélicos, religião que mais cresce no país, Bolsonaro deve ser mais favorável ao setor privado e à agenda de reformas estruturais como administrativa e tributária. Além disso, ele deve continuar a reduzir o tamanho do Estado (por meio de privatizações e concessões).

..e o que Lula pode dar

Do ex-presidente Lula, espera-se uma estratégia de impostos e gastos, dada a crença de que o setor público deve ser dos principais motores de crescimento e investimento. Tal estratégia pode levar a um maior crescimento do consumo no curto prazo, mas também a uma alta inflação e maiores deficits fiscais e em conta-corrente. A médio prazo, uma estratégia mais

ativa de impostos e gastos implicaria maior risco fiscal e maiores prémios (maior dívida) e menor crescimento potencial.

Finalmente, um governo Lula é percebido como comparativamente mais comprometido com uma agenda ESG, o que poderia atrair investidores estrangeiros. Se, por um lado, o discurso anticorrupção acabou enfraquecido, por outro, a crise económica agravou-se após a pandemia de covid-19 e, com isso, o Brasil pode repetir a eleição americana de 1992, da famosa máxima do estrategista da campanha de Bill Clinton, que disputava a corrida contra George H. W. Bush (pai): “It’s the economy, stupid.” Ou: é a economia, estúpido! Trocando por miúdos, a chave para a vitória eleitoral para a presidência do Brasil de 2022 pode estar na economia.

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2022-09-30T07:00:00.0000000Z

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