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Titãs populistas disputam voto em país de olho na economia

• Inflação está a abrandar e pode ser uma dor de cabeça • Combustíveis desequilibram a balança comercial

MARIA CAETANO mariacaetano@negocios.pt

Uma regra orçamental original, que condiciona gastos públicos à subida de preços, tomou o debate económico das eleições gerais brasileiras, que têm este domingo a primeira volta. Quase tudo separa Lula e Bolsonaro, principais candidatos, menos a vontade de a mudar.

Ogalope dos preços é hoje a dor de cabeça para grande parte dos governos do globo, mas no Brasil, habituado a níveis de inflação elevados, uma desinflação já em curso é o quebra-cabeças orçamental para o candidato presidencial que ganhar nas eleições gerais, cuja primeira volta acontece este domingo. Vai certamente diminuir receitas, mas reduzir também à força as despesas.

É que a disciplina orçamental brasileira assenta desde 2016, ainda na governação de Michel Temer, num limite máximo ao crescimento dos gastos federais primários que se guia pela inflação – considera atualmente as subidas de preços acumuladas até dezembro. E se não há muito que una os programas dos dois candidatos que lideram as sondagens, Lula da Silva e Jair Bolsonaro, há isto: ambos querem emendar o chamado tecto de gastos da política orçamental brasileira.

O assunto tem gerado amplas discussões domésticas, entre políticos e economistas, com várias propostas alternativas. Fora do país, a par com a possibilidade de um cenário de resultado eleitoral contestado, tem sido este também o principal foco da atenção de analistas internacionais. “O tecto de gastos tem os dias contados”, refere William Jackson, economista-chefe da Capital Economics para os mercados emergentes, na última análise ao país.

É uma discussão que interessa aos mercados, que poderão exigir mais juros ao Brasil se a mudança favorecer o expansionismo orçamental, admite. Mas, em última análise, não criará nenhuma crise, estando a maior parte dos credores da dívida brasileira em casa. “Não antecipamos uma explosão orçamental, vença quem vença as eleições”, diz Jackson.

A discussão tem mais interesse doméstico. Com uma previsão de inflação nos 7,2% em dezembro, a proposta de Orçamento para 2023 já entregue pelo governo Bolsonaro já visa cortes de

7,2%

INFLAÇÃO PREVISTA A descida da inflação força o corte de despesa em 2023. Apoio aos mais pobres exige furar as regras.

despesa de 2,6 mil milhões de reais, ou mais de 492 milhões de euros. E alguns gastos, como os de apoio a cerca de 21,6 milhões de pessoas carenciadas, o Auxílio Brasil, furam a despesa permitida, segundo concluiu neste mês a Instituição Fiscal Independente do Senado brasileiro. O problema coloca-se já no próximo ano.

O ex-presidente Lula da Silva, do Partido Trabalhista, é o candidato hoje mais bem colocado pelas sondagens nas eleições com 12 concorrentes ao Palácio do Planalto. Pode chegar aos 47% da votação, segundo a Datafolha. Será ainda assim menos do que o necessário para evitar uma segunda volta a 30 de outubro.

O “petista” propõe, entre outras medidas, a reforma das leis laborais – para, por exemplo, enquadrar os trabalhadores de plataformas digitais – e uma reforma tributária para impostos mais progressivos e que pesem menos sobre o consumo. A revogação do tecto de gastos é prioridade, com a equipa económica de Lula a desenvolver hipóteses: ligar a evolução da despesa a resultados do saldo primário ou retirar algumas despesas dos cálculos que contam para o tecto, por exemplo.

Já do lado de Bolsonaro, com 33% de intenções de voto e que na atual governação se socorreu de expedientes como o “orçamento de guerra” da pandemia para contornar a regra, estão também em estudo alternativas: podem passar por ligar a meta da despesa à evolução da dívida pública. A atual regra é vista como limitadora do investimento.

O candidato do Partido Liberal mantém também, para um segundo mandato, o foco em privatizações de empresas estatais – Eletrobras, Petrobras, Correios – e na redução de impostos, recuperando a ideia de subir os limites de isenção do Imposto de Renda, equivalente ao português IRS.

Entre os candidatos que estão mais perto de chegar ao Planalto, Ciro Gomes – do Partido Democrático Trabalhista, com 7% das intenções de voto - e Simone Tebet – Movimento Democrático Brasileiro, com 5% - também têm propostas para reajustar o tecto de gastos. O primeiro, considerando o PIB para além da inflação, e a segunda revertendo o calendário da fórmula, para que considere a inflação até junho e não até dezembro.

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2022-09-30T07:00:00.0000000Z

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