Há tempos criei um provérbio: “Se os pobres soubessem o que custa ser rico, não quereriam ser pobres”. E sim, estimado leitor, leu bem, é mesmo assim. Alguns distraídos esperariam a palavra ‘rico’ no fim, porque isso é que seria ‘lógico’. Na verdade, não. Peço desculpa, lógico é um pobre imaginar o que custa ser rico e, mesmo assim, não ir na cantiga. Truque antigo, esse, de fazer uma piedosa retórica hipnotizar a lógica da vida. A marosca puxa para uma léria chamada ‘Lei das Compensações’. Essa léria gera ditados tipo “Mais vale ser pobre com saúde do que rico e doente”. Eu até concordo, a saúde não tem preço e, enquanto a medicina não evolui de vez, a natureza ainda vai fazendo da saúde uma lotaria democrática. Até certo ponto, claro: quem tiver dinheiro para ser tratado a um cancro numa clínica milionária americana ganha pontos-vantagem. E um rico que coma melhor (geralmente acontece) corre menos riscos que um pobre de mais cedo ou mais tarde ter problemas sérios, desnutrição ou obesidade. Mesmo com o peixe (que só faz bem à saúde), comer dourada de viveiro não é o mesmo que dourada pescada no mar.

Voltemos ao meu provérbio: “Se os pobres soubessem o que custa ser rico não quereriam ser pobres”. Na nossa tradição cultural, os ricos têm o pós-vida tramado. Só entram no paraíso se um camelo passar pelo buraco duma agulha. Ou pela versão moderna de camelo, digamos as 50 bombas que a TAP comprou para bem servir os seus administradores. Ora, eu vejo muitos poucos ricos a tentarem ser pobres. Não saberão que assim estão a prejudicar a sua vida eterna? Enfim, talvez nas escolas dos ricos haja aulas de Cidadania; de Catequese ficamos a saber que não há. Nem Isabel Jonet, que dedica parte do seu tempo aos pobres, quer ser como eles. Acha aliás que, até para gerirem os 125 euros de abono especial, precisam de “pedagogia”, pois falta-lhes literacia financeira.

Uma bela treta, a insinuação de que os pobres já não quereriam ser ricos, se soubessem as Terríveis Provações dos ricos. É uma falsa lição moral, tal como dizer que “ter saúde é melhor que ser rico”. E é. Mas aí prefiro o belo provérbio cómico alentejano, que de resto inspirou o meu: “Mais vale ser rico e ter saúde do que pobre e doente”. Essa é que é essa.n

“SE OS POBRES SOUBESSEM O QUE CUSTA SER RICO NÃO QUERERIAM SER POBRES”