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O SONHO DOS POBRES

Martim Moniz, Lisboa. Very tipical para turistas sem preconceitos. Uma pequena Babel de línguas e sotaques, o arco-íris das cores de pele, a misturada de cheiros e sabores africanos e asiáticos. É o cosmopolitismo dos pobres. Menos típicos, pelas esquinas da cidade, os pedintes romenos. Aos restaurantes finos da Baixa e do Chiado, voltam os russos, chineses e brasileiros endinheirados; os angolanos desaparecem aos poucos. Encostados às motorizadas, em espera nos passeios das Amoreiras, vários brasileiros da entrega de refeições ao domicílio. Elias é um deles. E não lhe interessa nada, como para muitos outros imigrantes em Portugal, o Orçamento do Estado para 2022. Elias, à conversa com um colega português, encolhe os ombros quanto ao paleio sobre o Orçamento. O seu sonho é chegar à América e o seu orçamento está canalizado para a viagem. Há dois anos, calcorreou meio continente durante três meses, entre o seu Pernambuco natal e uma cidadezinha mexicana, na fronteira com o Texas. Foram milhares de quilómetros de avião, de autocarro e a pé, dias e dias a pé pelos países da América Central. E de repente, é detido ainda no México e recambiado para o Brasil, sem ter conseguido alcançar Miami, onde trabalha um primo.

A pandemia não mete medo aos pobres do Sul - africanos, sul-americanos ou asiáticos. Muito pelo contrário. Num único ano, o número de migrantes internacionais subiu de 272 para 281 milhões. É uma drástica repercussão da pandemia na mobilidade humana. Os Estados Unidos continuam a ser o principal destino dos migrantes, seguidos da Alemanha. Dois terços de todos os migrantes vivem em apenas 20 países. Na fronteira México-EUA, milhares de latino-americanos, muitos deles haitianos, protagonizam cenas dramáticas. São homens, mulheres e muitas crianças. É o caos e a revolta entre os que são deportados, mas resiste a esperança entre os acabados de chegar à porta do sonho americano. Elias sabe bem o que isso é. Poupadinho, trabalha que nem um desalmado em Portugal. Tudo o que embolsa vai para o mealheiro. O rapaz tem mais um plano, que passa por uma nova rota a caminho de Miami. Uma rota que passa por Espanha, Chile e México. Ao amigo português faz juras. “Juro que hei-de pisar a América. Nem que morra logo a seguir!” Mas não gostas de Portugal? “Adoro! Mas aqui nunca vou ficar rico!” E remata com ar de gozo. “A sorte dos portugueses é que são pobres! Senão as praias de Portugal já estavam atulhadas de imigrantes!”

ANTIGA ORTOGRAFIA

“Hei-de pisar a América. Nem que morra, logo a seguir. Aqui nunca vou ficar rico

CRÓNICA

pt-pt

2021-10-17T07:00:00.0000000Z

2021-10-17T07:00:00.0000000Z

http://quiosque.medialivre.pt/article/283781382076562

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