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“LAMENTO A MORTE DE 10 MIL SOLDADOS NA GUERRA COLONIAL”

Também perdi camaradas e fui ferido. Tenho até hoje um chumbo no braço esquerdo

DIANA SANTOS GOMEZ RECOLHA DO DEPOIMENTO

Pisei pela primeira vez Moçambique, em Lourenço Marques, a 28 de janeiro de 1966. Seguimos depois para o porto comercial de Nacala, onde desembarcámos no dia 1 de fevereiro seguinte, com destino a Metangula. Tinha apenas 21 anos. Tínhamos partido de Lisboa a 12 de janeiro, no paquete ‘Vera Cruz’. Recordo-me como se fosse hoje. Era soldado e tinha a especialidade de atirador. Formei-me em Estremoz, durante três meses. O treino não nos preparava para a guerra. De alguma forma a minha juventude, a juventude de uma geração, ficou algures na selva africana.

Foi a primeira vez que saí de Portugal. Pela frente tínhamos mais de dois anos. Os homens do meu Batalhão de Cavalaria 1879 – Dragões do Niassa, ainda iam perceber que haveria um antes e um depois de África. Viajei ao lado de mais de 600, todos com nada mais que o essencial: a íntima ideia de que o sentido de missão ao representarmos o nosso país, justificaria o sacrifício de estarmos longe de quem amávamos. Não me arrependo de ter ido, tivemos coragem. Logo na nossa primeira noite, tivemos o batismo de fogo, uma emboscada a caminho de Metangula, onde era a sede do batalhão, mas escapámos e desembarcámos em Cobué, junto ao lago Niassa, onde estava instalada a companhia de Cavalaria 1507. Pernoitamos em cima do capim, a chover intensamente. Lembro-me como se fosse hoje, mas não tive medo, para mim foi fogo de artifício.

Poucos dias depois de o pelotão chegar a Cobué fui destacado para o Norte de Moçambique, por cinco meses. O objetivo era impedir a entrada do inimigo. O meu pelotão, com cerca de 30 homens, deslocava-se numa lancha da Marinha de Guerra portuguesa, no lago Niassa. Em dois anos estive sempre no mato, e não pude ir a Portugal. Lutei pela bandeira; aos 20 anos pensa-se de outra maneira… Hoje reconheço que África é dos africanos, assim como a Europa é dos europeus.

Outro grande desafio foi fazer a proteção dos homens que abriam uma estrada com 50 km, entre Nova Coimbra e Miandica. Seguíamos a pé porque a guerrilha armadilhava tudo, até Miandica – a chamada ‘Terra do Outro Mundo’ porque era um deserto, quase sem água. Quando esperávamos a rendição estávamos ansiosos até ao último segundo, pois percebíamos que podíamos não sobreviver até lá. Passámos fome e sede porque ficávamos dezenas de horas a caminhar no mato. Três ou quatro dias seguidos. Em Miandica estivemos três meses a viver no limite, quase sem recursos. Estávamos sempre em alerta.

Lamento a morte de quase 10 mil soldados na Guerra Colonial. Lembro-me que um dia saímos de Cobué para destruir um acampamento inimigo e os estilhaços do

“Em Miandica passávamos fome e sede porque ficávamos dezenas de horas a caminhar no mato. Três ou quatro dias seguidos

A MINHA GUERRA

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2021-10-17T07:00:00.0000000Z

2021-10-17T07:00:00.0000000Z

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