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“Eça e Ramalho eram muito diferentes”

Para falar da amizade entre dois homens, Maria Filomena Mónica acaba por fazer uma vívida incursão por uma época

Uma estranha amizade' é o retorno de Maria Filomena Mónica a Eça de Queiroz, desta vez à relação entre o autor de `Os Maias' e Ramalho Ortigão, com quem escreveu ‘O Mistério da Estrada de Sintra’, publicado primeiro em folhetim no ‘Diário de Notícias’. Maria Filomena Mónica “nada sabia” de Ortigão, como refere neste livro, embora o tivesse encontrado quando organizou a coletânea de ‘As Farpas de 1871-72’ (ed. Principia). ‘Uma estranha amizade: Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão’ (ed. Relógio d’ Água) é ainda uma incursão nas biografias dos dois homens e na sociedade em que viveram.

Este acaba por ser também um livro sobre como todas as amizades, como todos os amores, inevitavelmente terminam com o tempo?...

Embora isso seja o mais frequente, não creio que todas as amizades ou todos os amores tenham necessariamente de acabar com a passagem dos anos. Basta lembrar a mais famosa amizade da História Europeia, a que uniu dois pensadores do século XVI , Montaigne e De La Boétie. Na opinião do primeiro, estavam destinados a ser amigos por um motivo central: viam o mundo de forma semelhante. A amizade exige algumas componentes, entre as quais avulta uma certa conceção do mundo, uma cumplicidade à prova de bala e, se possível, um passado comum.

Neste caso fala de uma amizade estranha,porquê?

Usei o adjetivo “estranha” porque, a certa altura, notei que Eça e Ramalho eram homens muito diferentes. Quase todos os críticos que sobre eles escreveram ou quase todas as pessoas que os apreciaram e apreciam tendem a olhá-los como duas faces da mesma moeda. Ora, à medida que relia Eça e que penetrava nalguns dos escritos de Ramalho, fui chegando a duas conclusões: a primeira, que Ramalho era um escritor inferior a Eça, e a segunda, que, ao longo da vida, se tinham usado um ao outro. Com a passagem do tempo, Eça tornou-se um escritor mais reputado do que Ramalho, o que este sentiu como uma bofetada. A frase do grande escritor americano Gore Vidal - “Cada vez que um amigo meu tem sucesso, há uma parte de mim que morre” - podia ter sido escrita por ele. Não posso negar que ele e Eça fossem amigos nem, muito menos, afirmar que eram inimigos, mas, à medida que envelheceram, foram-se distanciando um do outro. Ao ponto de Ramalho nunca ter escrito uma linha sobre o grande romance de Eça, ‘Os Maias’. Isto para não falar do que afirmou, em carta a Batalha Reis, sobre o romance de estreia de Eça, ‘O Crime do Padre Amaro’: que não deveria sair para a rua. Entre eles, não se tratava, nunca se tratou, de uma amizade profunda.

“Ramalho escondeu durante nove anos escritos de Eça

IMPERDÍVEL

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2021-10-17T07:00:00.0000000Z

2021-10-17T07:00:00.0000000Z

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